domingo, 5 de abril de 2009

A menina


Sentada naquela calçada, observando as pessoas que passavam, ali ficava. Achava engraçado observar as pessoas. Era seu hobby. Ficava imaginando de onde elas vinham e pra onde iam. Não tinha amigos. Nem amigas. Não tinha bonecas. Nem panelinhas. Nem ursinhos de pelúcia. Gostava era de brincar de imaginar. Pra cada pessoa que passava ficava imaginando... onde morava, como era a casa, a família, o que mais gostava de fazer, de comer. Gostava também de desenhar as pessoas, enquanto trabalhava. É, ela trabalhava, digo, esmolava. Alí, naquela calçada, com uma pequena caixa de sapatos, tirava alguns trocados pra levar pra casa no final da tarde. Quando cansava de ficar ali, vendia panos de prato ou coxinhas que sua mãe fazia, em uma feirinha perto dali. Sua mãe, em casa, cuidava dos irmãos mais novos. Tinha três. A menina era a mais velha. Sete anos. Em meio aos lápis de cor, aos papéis, ali ficava, pensando e imaginando: "Esse deve ter dois filhos, deve morar em uma casa verde". Pensava, ao ver um homem passar. "Dos dois filhos, deve gostar mais do mais velho". Pensava. "Todo pai gosta mais de um filho do que de outro. Quando eu tiver filhos, vou gostar mais de um do que de outro também". Pensava. "Tanto é verdade, que não conheço o meu. Será que ele tem outros filhos? Será que gosta mais deles?" Pensava. Pensava. Pensava. Imaginava. Naquela tarde, um transeunte que passava, parou, olhou, e sentou pra conversar com a menina. Perguntou onde ela morava. O que mais gostava de fazer. O que desenhava. Contou histórias. Conversaram. Riram. Ele lhe deu um chocolate. Conversaram. Conversaram. E foi embora. Em sete anos, foi o primeiro presente que ganhou e o único desconhecido que conversou.
(R. Catalunha)

Um comentário:

  1. Ler algo assim ao acordar indica que o meu dia vai ser lindo! Incrível. Também quero um desconhecido para conversar e rir, mas dispenso o chocolate!

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